quarta-feira, 16 de novembro de 2005

Dia Mundial do Mar

Hoje é Dia Mundial do Mar e eu, Portuguesa e Poveira, vou viver este dia como se fosse o dia de Portugal, tenho a memória já abastecida de histórias dos pescadores da família dos meus pais, em especial do meu pai, ele é de uma família de Lanchões e Sardinheiros, (o meu avô era Lanchão e a minha Avó era Sardinheira - 2 das 3 classes sociais na Póvoa de mil novecentos de antigamente), como tal, a sua família foi também afectada pela tragédia de 27 de Fevereiro de 1892, a minha avó é que sabia tudo. Ela foi uma felizarda, casou com homem de família Lanchão e ele não quis ir para o mar como os irmãos, por isso, se ainda hoje estivesse viva, ainda teria o marido para lhe aquecer os pés à noitinha e não teria corrido o risco de o perder para o Mar.
Quando penso nestas histórias do meu povo, penso nos sentimentos que o Mar me provoca. Quando se trata de relações entre homem e mulher, a primeira coisa de que tive a certeza que não queria (isto porque acho mais fácil saber o que não se quer do que o que se quer) era um pescador na minha vida, não queria casar nem namorar um, não teria estofo para o acompanhar... As mulheres que aceitam essa vida, para mim, são super-mulheres, os homens são super-homens, não existe, para mim, profissão mais abençoada e ao mesmo tempo mais perigosa. Como conseguem eles combater a magnitude e a presença aterradora da capacidade que o Mar tem de nos levar a Vida?! Sempre que se despedem, sabem eles se será o ultimo adeus... isto dá-me dor na alma. E inquieta-me.
Na Póvoa do Mar existem "n" histórias de esforço e dedicação ao Mar, a mais conhecida deverá ser o nosso Cego do Maio, era capitão de salva-vidas. Quando o Mar virava, enquanto que uns fugiam para terra, ele, cego ao perigo, metia-se a sair da barra para salvá-los a todos. Quantas centenas ele "roubou" ao Mar... A História só raramente refere que apesar de acarinhado pelos pescadores e alguns beneméritos da Póvoa na altura, (como Vasques Calafate - para mim, outro herói) e apesar de ter sido condecorado pelos Reis de Portugal com uma série de medalhas (não as sei decor, sei que foram 6), quando morreu, depois de estar acamado havia já 2 semanas, estavam-lhe a dever 5 meses de salário... julgo eu que haviam outros interesses por trás da cortina, mas isto sou eu a tirar ilações... Mas é frustrante pensar que alguém que deu sempre tudo para salvar uma população da sua condição estupida de "carne para canhão" no final, no seu último suspiro deverá ter pensado que talvez os Poveiros foram ingratos com ele, e no meu entender foram... e apesar de hoje em dia haver pela cidade vários marcos de homenagem (estátua, rua, etc) custa-me saber que talvez 70% dos Poveiros não saibam do seu triste fim...
Agora tenho que parar e trabalhar, tenho MUITO que fazer... darn!
Vou só deixar 2 poemas (por sinal lindissímos) dos nossos Mares, o Português e o Poveiro:
Mar Português
"Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma nao é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu."
Fernando Pessoa, in Mensagem
Lusitânia no Bairro Latino
"Georges! anda ver meu país de Marinheiros,
O meu país das Naus, de esquadras e de frotas!
Oh as lanchas dos poveiros
A sairem a barra, entre ondas e gaivotas!
Que estranho é!
Fincam o remo na água, até que o remo torça,
A espera da maré,
Que não tarda hí, avista-se lá fora!
E quando a onda vem, fincando-o a toda a força,
Clamam todos à uma: "Agôra! agôra! agôra!"
E, a pouco e pouco, as lanchas vão saindo
(As vezes, sabe Deus, para não mais entrar...)
Que vista admirável! Que lindo! que lindo!
Içam a vela, quando já têm mar:
Dá-lhes o Vento, e todas à porfia,
Lá vão soberbas, sob um céu sem manchas,
Rosário de velas, que o vento desfia,
A rezar, a rezar a Ladainha das Lanchas:

Snra. Nagonia!
Olha, acolá!
Que linda vai com seu erro de ortografia...
Quem me dera ir lá!

Senhora Da guarda!

(Ao leme vai o Mestre Zé da Loenor)
Parece uma gaivota: aponta-lhe a espingarda
O caçador!
Senhora d'ajuda!
Ora'pro nobis!
Caluda!
Sêmos probes!
S.hr dos ramos!
Istrella do mar!
Cá bamos!

Parecem Nossa Senhora, a andar.

Snra. da Luz!

Parece o Farol...

Maim de Jesus!
E tal qual ela, se lhe dá o Sol!

S.hr dos Passos!
Sinhora da Ora!

Aguias a voar, pelo mar dentro dos espaços
Parecem ermidas caiadas por fóra...

S.hr dos Navegantes!
Senhor de Matozinhos!

Os mestres ainda são os mesmos d'antes:
Lá vai o Bernardo da Silva do Mar,
A mail-os quatro filhinhos,
Vascos da Gama, que andam a ensaiar...

Senhora dos aflitos!
Martir São Sebastião!
Ouvi os nossos gritos!
Deus nos leve pela mão!
Bamos em paz!
O lanchas, Deus vos leve pela mão!
Ide em paz!

Ainda lá vejo o Zé da Clara, os Remelgados,
O Jéques, o Pardal, na Nam te perdes.
E das vagas, aos ritmos cadenciados,
As lanchas vão traçando, à flor das águas verdes
"As armas e os barões assinalados..."
Lá sai a derradeira!
Ainda agarra as que vão na dianteira...
Como ela corre! com que força o Vento a impele:
Bamos com Deus!

Lanchas, ide com Deus! ide e voltai com ele
Por esse mar de Cristo...
Adeus! adeus! adeus!"
António Nobre, in (1892
Este ultimo, faz-me sempre ficar com "pele de galinha", e por consequência, dá-me sempre vontade de chorar, é mesmo lindo, bem é desta que vou!
Beijocas blogadas!

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